26 junho 2006

Caso Verídico III - Portugal ou o Triângulo das Bermudas

Inspirada pela adorável mordacidade da LC lembrei-me de um caricato episódio passado em Dezembro de 2003, em Bari, quando por lá passe(e)i.
Depois de alombar com um gelatto caldo de tiramissu, fui a pé (numa tentativa vã de desgastar as kilocalorias ingeridas e enquanto fazia tempo para a Pizzaria Taxi abrir) até à papelaria comprar selos para enviar notícias cá para a terra...
Entrei e pedi à senhora que estava por trás do balcão 10 selos para enviar correio para Portugal. A senhora, que já tinha idade para "saber o que andava a fazer" perguntou-me se Portugal ficava na Europa. Eu, porque tinha tempo de sobra até ao próximo autocarro e basicamente porque se não o fizesse teria de esbofetear violentamente a dita senhora, respondi que não, que ficava na Ásia.
Ela foi para dentro, voltou passado um par de minutos, com o mesmo ar trôpego e desinteressado, e disse que não tinha encontrado. Então, eu disse para ela experimentar na gaveta dos selos da Europa.
Ela voltou, elogiou a beleza natural de Espanha, eu paguei e saí.
Fiquei a pensar se Portugal existiria ou se seríamos um qualquer país asiático (não vou fazer a piada idiota dos olhos em bico) ou uma província espanhola.
Agora com o Costinha a meter a mão à bola, o Scolari a deixá-lo jogar até ao intervalo, e o (meu muito adorado) Deco a brincar à sardinha com uma bola de futebol penso se a selecção portuguesa não será um intermédio entre República das Bananas e Triângulo das Bermudas... Assim ao estilo do Triângulo dos Bananas...
Ciao!

13 junho 2006

M & M - Adenda à adenda.


Lista de odores:

  • Cheiro a cabelo e pele, ao vento fora do vidro do carro, num dia muito quente, as férias.
  • O aroma a alfazema, a Mãe.
  • O cheiro dos lençóis lavados, a sono por vir.
  • A essência de jasmim pela casa, o Futuro.
  • O forte odor de castanhas assadas, Dezembro e as ruas cheias de gente.
  • Aletria com muita muita canela, as ceias de Natal.
  • O papel de um caderno novo, Escrever.
  • Cheiro do couro das capas de livros velhos, o Pai.
  • O horrível cheiro do meu cão (que já não é vivo) quando voltava a casa depois de se soltar, fugir e passar 2 dias enfiado em caixotes do lixo, o Baby.
  • O cheiro da terra, enchadas e ancinhos, pendurados no alpendre da "casa velha".
  • ...

É urgente a poesia

"Procura a maravilha.
Onde um beijo sabe
a barcos e bruma.
No brilho redondo
e jovem dos joelhos.
Na noite inclinada
de melancolia.
Procura.
Procura a maravilha."
Eugénio de Andrade (19 de Janeiro de 1923 - 13 de Junho 2005)

A memória e as mnemónicas - Adenda

Acabei agora mesmo de fumar um cigarro, na soleira da porta da cozinha que dá para o campo das batatas, das couves, das alfaces e das pencas, no silêncio de quem espera pelo S. João e festeja pouco o Sto. António. Choveu e cheirava a terra molhada, a cimento molhado, a relva molhada, a flores molhadas e a batatas, couves, alfaces e pencas molhadas. Um par de caracóis subia pela parede.
Que cheiro tão bom - o da chuvada depois do calor - quase tão bom como o de um banho, depois de uma tarde a jogar "à bola" no parque.

09 junho 2006

Listas (uma breve introdução/explicação aos posts que se seguem)

Eu gosto de fazer listas. E faço-as, sempre que posso. Por exemplo:
  • Lista de assuntos para resolver.
  • Lista de telefonemas a fazer.
  • Lista de presentes de Natal (em Setembro).
  • Lista de melhores momentos.
  • Lista de palavras preferidas.
  • Lista de palavras inventadas.
  • Lista de palavras novas.
  • Lista de coisas que quero fazer.
  • Lista de desejos a realizar.
  • Lista de coisas que não suporto.
  • Lista de termos insultosos.
  • Lista de regionalismos.
  • Lista de filmes favoritos.
  • Lista de compras.
  • Lista de tarefas a cumprir.
  • Lista de músicas/álbuns preferidos.
  • (...)
Gasto muito tempo a fazer listas e há quem critique... Mas eu gosto mesmo muito; gosto principalmente da estrutura caligrafada da (des)organização do dia-a-dia. E mesmo que não cumpra todos os itens das listas, pelo menos listei-os e eles estão lá para eu não me esquecer de os recolocar numa nova lista.

A memória e as mnemónicas

As minhas recordações de criança e que não são muitas, confesso, são quase todas relacionadas e relembradas através dos odores; outras, estão imortalizadas em fotografias ou cassetes Beta filmadas pela pesada câmara do meu Pai, e outras estão guardadas em duas gavetas dentro do meu cérebro: Le Tiroir des Traumatismes, onde estão as Duas Bofetadas que a Irmã (leia-se freira) Isilda me deu – um das quais totalmente imerecida – e Il Casseto delle Gioie, que felizmente está atafulhada de belas memórias, como o Carrossel no Nosso Senhor de Matosinhos, ou os Verões na Praia da Granja.
Certo é que se um cheiro entra na minha vida, persegue-me até ao fim. Ou pelo menos assim tem acontecido até hoje.
O aroma dos cominhos faz-me lembrar do Arroz de Cabidela da Mãe; a fragância das flores a que sempre chamei Aranhas, que existiam na Rua do Eirado, fazem-me lembrar a chegada a minha casa; o cheiro do pó do giz faz-me lembrar os problemas de matemática que ia fazer ao quadro. O cheiro do pão acabado de cozer, faz-me recordar a casa do forno que tinhamos na “casa velha” e o aroma das violetas faz-me sempre recordar a minha Mãe.
É por isso que quando vou para férias levo um gel de banho diferente de todos os que já usei, é por isso que quando estou num sítio novo inalo o ar que me rodeia com toda a força que posso e é por isso que, mesmo passado muito tempo, se voltar a sentir esses odores me consigo materializar nesses lugares e nesses tempos.
Os cheiros são as minhas mnemónicas.

05 junho 2006

Os Outros - Parte I

Quando pouco sabemos sobre o outro, temos critérios próprios, pessoais e intransmissíveis, mais ou menos socialmente aceitáveis e/ou muito ou pouco politicamente correctos. Acredito até que inconscientemente elaboramos uma escala mental e vamos preenchendo uma check-list imaterial, maleável e reajustável conforme a situação.
Só para exemplificar:
1. Como é o aperto de mão do sujeito? Frouxo___ Intermédio___Forte___ Quebra-ossos___. Se a resposta for Intermédio ou Forte passar para a próxima pergunta. Se a resposta for Frouxo passar imediatamente para a pergunta 23, no caso do indivíduo pertencer ao género masculino ou 24 se pertencer ao género feminino). Se a resposta for Quebra-ossos, parar com este questionário e sair delicadamente da presença do sujeito.
2. O indivíduo emana odores corporais? Sim___ Não___. Se a resposta for Sim, sair rapidamente das imediações; se for Não prosseguir para a questão seguinte.
(...)
23. Ele usa camisa feita à medida, e ainda assim, justa? Sim___ Não___. Se a resposta for Não, passar para a pergunta seguinte; se for Sim, afastar-se ligeiramente e passar para a pergunta 31.
(...)
31. O sujeito olha com mais frequência para pessoas do mesmo sexo___ ou do sexo oposto___.
E assim sucessivamente...
No meu caso, a primeira coisa que noto (e anoto) é a forma como o outro cumprimenta: onde centra o olhar, e como são os olhos (cemicerrados, esbugalhados, em proporção de felicidade com os lábios, com pupilas dilatadas, interessados, mortiços ou existenciais como eu desejava que fossem os meus) e depois os lábios (se se expressam mesmo sem falarem, se o sorriso é verdadeiro, se os cantos da boca se mantem paralelos à linha dos lábios ou se vivem em permanente ironia, desnivelados, ou se, como os meus, se curvam para baixo, ainda que não haja tristeza) e depois a testa (se está sempre enrugada, se tem alguma marca vertical de preocupação, se está lisa de satisfação, se transpira, se as sobrancelhas se tocam ou se são espaçadas). E tudo isto em questão de segundos: o tom, o timbre e a intensidade da voz, o sotaque, as sardas, o aperto de mão, o beijinho na bochecha.
Será isto julgar? Ou será só abrir um processo e arquivar informação?
E depois pergunto-me, em jeito muito mais sério: Em que reparará o outro no outro quando o outro sou eu?

01 junho 2006

E de volta às patetices...

Perguntaram-me porque não assinalei a barreira psicológica das mil visitas no meu precioso blog com pompa e circunstância...

Pois deveria eu ter celebrado esse facto? Está claro que não. “Muitas vezes o que se cala faz maior impacto do que se diz” já dizia Píndaro.

(A verdade é que me doiam os dedos de tanto clicar no meu próprio blog, que não tive forças para escrever um post)

Mas a verdade é que Píndaro também dizia “Quando a cidade que eu canto já não mais existir, quando os homens para quem canto já houverem desaparecido no esquecimento, minhas palavras ainda perdurarão.”

Em adaptação muito livre, posso resumir: Quando a minha veia para a escrita (veia para a escrita, qual veia?) se extinguir e os meus leitores se fartarem do que cá escrevo, os meus desabafos anteriores continuarão por aqui.

E aqui vai, com pompa e circunstância e sem modéstia: Venham mais mil!!!

Encaixes


Depois de alguns (infinitesimais) dias de ausência, devidos a uma intensa proliferação de libelinhas, quero apenas deixar um apontamento.
Na minha verdade, o espaço verbal (o oral ou o escrito) está ligado a todos os outros espaços e dimensões, por fiozinhos invisíveis impossíveis de desfazer. Por isto, se, por vezes, é difícil encaixar nas definições idiomáticas que conhecemos toda a infinidade de sensações que temos, um silêncio, um gesto ou um olhar podem fazer toda a diferença. Ou toda a igualdade, se as diferenças não forem muitas...
Ainda que não o saibamos e nos movimentemos com ligeireza, generalizando, andamos mais ou menos perdidos até sermos encontrados por alguém. Eu acredito que o entendimento surge desse encontro e existe com quem nos revemos e com quem não precisamos de intérpretes independentemente do lugar onde estamos, do nosso passado ou do nosso futuro.