09 junho 2006

A memória e as mnemónicas

As minhas recordações de criança e que não são muitas, confesso, são quase todas relacionadas e relembradas através dos odores; outras, estão imortalizadas em fotografias ou cassetes Beta filmadas pela pesada câmara do meu Pai, e outras estão guardadas em duas gavetas dentro do meu cérebro: Le Tiroir des Traumatismes, onde estão as Duas Bofetadas que a Irmã (leia-se freira) Isilda me deu – um das quais totalmente imerecida – e Il Casseto delle Gioie, que felizmente está atafulhada de belas memórias, como o Carrossel no Nosso Senhor de Matosinhos, ou os Verões na Praia da Granja.
Certo é que se um cheiro entra na minha vida, persegue-me até ao fim. Ou pelo menos assim tem acontecido até hoje.
O aroma dos cominhos faz-me lembrar do Arroz de Cabidela da Mãe; a fragância das flores a que sempre chamei Aranhas, que existiam na Rua do Eirado, fazem-me lembrar a chegada a minha casa; o cheiro do pó do giz faz-me lembrar os problemas de matemática que ia fazer ao quadro. O cheiro do pão acabado de cozer, faz-me recordar a casa do forno que tinhamos na “casa velha” e o aroma das violetas faz-me sempre recordar a minha Mãe.
É por isso que quando vou para férias levo um gel de banho diferente de todos os que já usei, é por isso que quando estou num sítio novo inalo o ar que me rodeia com toda a força que posso e é por isso que, mesmo passado muito tempo, se voltar a sentir esses odores me consigo materializar nesses lugares e nesses tempos.
Os cheiros são as minhas mnemónicas.

8 Comments:

Blogger CoRtO MaLtEsE said...

Existe um caminho directo do nosso olfacto ao nosso cantinho de memórias.

Também guardo o cheiro a alecrim, que sempre apanhava com a minha mãe, quando passeávamos pelos Vales…

Esta é sem dúvida a mais forte e doce das recordações/associações. Mas adoro também o cheiro a café acabado de moer, que ela costumava comprar para levar para o Carvalhal, o aroma da cidreira fresca, que me valia alguns indesejáveis contactos com as urtigas bravas, o cheiro do Pátio da minha avó materna, o aroma dos figos em dias de muito calor, o exalar de corpos com protector solar a caminho da praia, o cheiro do mar e o teu cheiro nos lençóis.

Agradeço às poucas células de memória com que vou sendo agraciado e peço desculpa a todas as outras recordações por esta reduzida selecção.

Um beijo,
Corto

11:20 da manhã  
Blogger Fabi said...

Oi menina, tudo bem??
Engraçado, o cheiro tb marca muita meu passado... mas normalmente não gosto da nostalgia provocada...fico com aquela dorzinha de saudade...
Descobri que fazemos uma coisa igualzinha: nas férias,levo sempre um gel de banho novo, que nunca usei :))
beijos!!!!

3:57 da tarde  
Blogger BR said...

Corto:

Cada palavra é um centímetro a mais que me ocupas.

Tua,
BR

1:30 da manhã  
Blogger BR said...

Querida Lucy:

Nem a anosmia, nem a apatia ou a melancolia. Deixemos entrar a nostalgia de vez em quando... porque sabe bem, se a manipularmos sem que ela perceba, pelos becose vielas da saudade.

Beijinho!
BR

1:34 da manhã  
Blogger BR said...

Fabi:

Bem feitas as contas, a eterna turista deve ter experimentado uma centena de géis de banho diferentes... Para quando e onde a próxima viagem?

Beijo,
BR

1:36 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Não sei quem és, mas já me tocaste. Já fizeste chorar e rir (literalmente).
O cheiro de lágrimas secas na pele é para mim o melhor de todos. É o "já passou" que me acalma e me diz para continuar. O cheiros são tão importante para mim, que me desfiz em lágrimas quando te li. Não consigo parar. Deves ser uma pessoa muito especial e espero que sejas muito feliz sempre. Não voltarei a escrever, estou assustada por um blog me tocar desta maneira.

Vibro com o aroma de água sufuretada, terra alentejana molhada e presunto aos cubinhos acompanhado de café.

4:21 da tarde  
Blogger BR said...

Que doçura de comentário... e porque ao lê-lo estava a chegar à cama (não tinha internet e acedi ao mail através do telemóvel) lembrei-me que um dos melhores cheiros quase ao lado do que tu escolheste "o cheiro de lágrimas secas na pele" é o cheiro da cama onde dormes (com quem amas, ou sozinha). Porque é o teu cheiro, aquele que sentes quando dobras o braço e inalas o odor da parte interior do cotovelo, o cheiro do corpo que te reveste a alma e que é o que de mais teu tens a seguir a ela. O cheiro da cama, quentinho, aconchegante, teu ou do conjunto que formas com quem dorme ao teu lado...

Obrigada pela felicidade que me desejas; eu por meu lado espero que a sintas em dose dupla: com água sulfuretada, terra alentejana muito seca, presunto aos cubinhos com o tempo certo de fumeiro e café...

Abraço,
BR

1:52 da manhã  
Blogger CristinaVaz said...

Este post faz-me lembrar um que escrevi [não tão bem como tu :)] há pouco tempo quando tive em casa dos meus pais doente...foi como um regresso ao passadoo ;)

http://gatozarolho.blogspot.com/
2006/07/cheiros.html

9:45 da manhã  

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