05 junho 2006

Os Outros - Parte I

Quando pouco sabemos sobre o outro, temos critérios próprios, pessoais e intransmissíveis, mais ou menos socialmente aceitáveis e/ou muito ou pouco politicamente correctos. Acredito até que inconscientemente elaboramos uma escala mental e vamos preenchendo uma check-list imaterial, maleável e reajustável conforme a situação.
Só para exemplificar:
1. Como é o aperto de mão do sujeito? Frouxo___ Intermédio___Forte___ Quebra-ossos___. Se a resposta for Intermédio ou Forte passar para a próxima pergunta. Se a resposta for Frouxo passar imediatamente para a pergunta 23, no caso do indivíduo pertencer ao género masculino ou 24 se pertencer ao género feminino). Se a resposta for Quebra-ossos, parar com este questionário e sair delicadamente da presença do sujeito.
2. O indivíduo emana odores corporais? Sim___ Não___. Se a resposta for Sim, sair rapidamente das imediações; se for Não prosseguir para a questão seguinte.
(...)
23. Ele usa camisa feita à medida, e ainda assim, justa? Sim___ Não___. Se a resposta for Não, passar para a pergunta seguinte; se for Sim, afastar-se ligeiramente e passar para a pergunta 31.
(...)
31. O sujeito olha com mais frequência para pessoas do mesmo sexo___ ou do sexo oposto___.
E assim sucessivamente...
No meu caso, a primeira coisa que noto (e anoto) é a forma como o outro cumprimenta: onde centra o olhar, e como são os olhos (cemicerrados, esbugalhados, em proporção de felicidade com os lábios, com pupilas dilatadas, interessados, mortiços ou existenciais como eu desejava que fossem os meus) e depois os lábios (se se expressam mesmo sem falarem, se o sorriso é verdadeiro, se os cantos da boca se mantem paralelos à linha dos lábios ou se vivem em permanente ironia, desnivelados, ou se, como os meus, se curvam para baixo, ainda que não haja tristeza) e depois a testa (se está sempre enrugada, se tem alguma marca vertical de preocupação, se está lisa de satisfação, se transpira, se as sobrancelhas se tocam ou se são espaçadas). E tudo isto em questão de segundos: o tom, o timbre e a intensidade da voz, o sotaque, as sardas, o aperto de mão, o beijinho na bochecha.
Será isto julgar? Ou será só abrir um processo e arquivar informação?
E depois pergunto-me, em jeito muito mais sério: Em que reparará o outro no outro quando o outro sou eu?

17 Comments:

Blogger josé alberto lopes said...

a outra pessoa ficará certamente com um ar de espanto a olhar para ti e pensará como é que consegues anotar esta informação toda em relação a ela em tão poucos segundos, para depois arquivares num ficheiro que trazes acoplado, onde já constam dezenas de dossiers de encontros anteriores. depois deste momento de perplexidade, poderá então reparar... em ti! e deixa que te diga que, pelo sorriso evidenciado uns posts abaixo, essa pessoa não vai ter problemas nenhuns em "anotar" mentalmente que tens um sorriso desarmante.

10:05 da manhã  
Blogger ND said...

no livro «O Retrato de Dorian Gray», Oscar Wilde diz: "só as pessoas frívolas é que não julgam pelas aparências. O verdadeiro mistério do mundo é o vísível e não o invisível"

10:22 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Obrigada pela visita e comentário tão certeiro. Gostei do teu cantinho, vou voltar... Bjs

2:38 da tarde  
Blogger rafaela said...

Tendo em conta Oscar Wild eu não sou nada futil, reparo em tanta coisa, quem nem sei onde reparo primeiro.
A minha versão romantica diria, que primeiro olho os olhos, os labios, que meço o gestos enquanto olho as mãos.
A minha versão pratica diria que olho o todo.
A minha versão marota diria, que olho o rabiosque.
E como eu sou todas elas não sei o que olho, mas gravo sempre informação, que esqueço ou que quando alguém me marca relembro constantemente.

=)

4:47 da tarde  
Blogger Custódia C. said...

Nos homens são sempre dois detalhes: o aperto de mão (lá está) tem que ser forte e o cabelo tem que ter um bom corte e estar lavado .... o resto vem por acréscimo!
Nas mulheres, olho sempre para os sapatos e para os brincos e estes dizem-me muita coisa ....

10:08 da manhã  
Blogger josé alberto lopes said...

soube por outro blogue que também gostas de antony and the johnsons. muito bem! excelentes gostos!

11:33 da manhã  
Blogger BR said...

Isaac: O outro não suspeita que o estou a cadastrar... E muito obrigada pelo galante elogio. Um sorriso para ti!
Gsoto de Antony and the Johnsons, sim (e só tomei conhecimento há pouco tempo).

N.: Oscar Wild was Indeed a bright fellow...

Cerejinha: Fica prometido um post sobre o beijinho... Abraço!

Stressadinha: Eu é que agradeço. Um abraço.

Rafaela: As outras pessoas que vivem no meu cérebro também mantêm uma luta interna pela ordem de observação, mas a soma delas todas (eu a BR bloguista) toma conta e vai moderando o pseudo-inquérito. Tal como ficou prometido à cereja o post sobre o beijinho, fica prometido o post sobre "estas coisas derivadas da questão". Abraço!

Custódia: Mas que prática! Voltarei a este ponto e não esquecerei o seu valioso comentário. :)

3:51 da tarde  
Blogger Sérgio Mak said...

Tento ver nos outros um espelho, se houver alguma coisa que me faça reconhecer-me, é bom sinal. Se não houver melhor ainda, não gosto de duplicados.

Resultado final: À primeira vista/contacto o cenário nunca diz tudo sobre como vai ser a peça e perdoa-me o trocadilho teatral...

4:49 da tarde  
Blogger Sérgio Mak said...

Tento ver nos outros um espelho, se houver alguma coisa que me faça reconhecer-me, é bom sinal. Se não houver melhor ainda, não gosto de duplicados.

Resultado final: À primeira vista/contacto o cenário nunca diz tudo sobre como vai ser a peça e perdoa-me o trocadilho teatral...

4:50 da tarde  
Blogger Sérgio Mak said...

Tento ver nos outros um espelho, se houver alguma coisa que me faça reconhecer-me, é bom sinal. Se não houver melhor ainda, não gosto de duplicados.

Resultado final: À primeira vista/contacto o cenário nunca diz tudo sobre como vai ser a peça e perdoa-me o trocadilho teatral...

4:50 da tarde  
Blogger CoRtO MaLtEsE said...

Good morning sailors,

Definitivamente os olhos e o sorriso. Dificilmente me apaixonaria por alguém que não fosse muito bonito mas... desta vez tenho de discordar do meu muito estimado Óscar Selvagem - as pessoas quando julgam pela aparência estão a ser frívolas. Quando não julgam estão a excluir percepções externas, o que talvez seja ainda mais indesejável.

Quanto ao sorriso a que se refere o isaac, é APENAS o sorriso mais belo do mundo.

BR,
Corto

10:21 da manhã  
Blogger Humor Negro said...

Eu reparo no olhar, no aperto de mão, na postura do corpo e no tom de voz. O sorriso é indiferente porque (potencialmente) é usado para esconder uma série de coisas.

5:40 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

As impressões externas são realmente essenciais e inevitáveis quando conhecemos alguém. Principalmente quando estamos diante de olhos existenciais não percebidos, de lábios curvados mas expressivos, de mão sutis , de cabelos encaracolados, de faces brilhantes ocultando as sardas ... Quanto ao sorriso,acredito que o mundo realmente seria mais bonito se pudéssemos encontrar sorrisos deste tipo em cada esquina, mas como bem sabemos, isto é impossível. Felizmente poucos têm este privilégio, pouquíssimos...

12:17 da tarde  
Blogger naoseiquenome usar said...

Engraçado:)
Também não gosto de apertos de mão frouxos, mas os muito apertados incomodam-me igualmente.
E claro que é bom ver gente bonita.
E pormenores como as mãos, o sorriso, a postura, os sapatos, fazem a difrença da primeira impressão que se regista.
Mas ai....
quando se abre a boca :))))!!!!
Ácho que faço o registo ao retardador. espero sempre por esse momento. De resto, a voz para mim é muito importante.

beijo

6:46 da tarde  
Blogger ND said...

depois de vos ler nisto, ainda me interrogo no que reparo eu. É que a sensação que tenho é que não largo de olhar nos olhos. (coisa mais estranha, isto de me fazerem pensar nisso)

10:15 da tarde  
Blogger BR said...

Mak: Eu não me referia à primeira vista/contacto, referia-me a todas as vistas (as primeiras, segundas, terceiras, e as que forem precisas) enquanto ainda “nada se sabe sobre o outro”. E, devolvendo-te o trocadilho teatral, se o Acto I for de fugir, dificilmente gostarás do II e do III.

Querido Corto:

Mais do que o sorriso, o riso! A gargalhada do outro e a maneira como a provoca nos outros (que somos nós). A percepção externa, como lhe chamas, é intuitiva e só é frívola quando não é acompanhada com a dose equilibrada de conduto…

Um semáforo vermelho para ti meu querido Corto. E que dure muito tempo até passar a verde.
BR

Humor Negro: Acho que o sorriso pode ser tão (potencialmente) usado para esconder a verdade de sentimentos, como os olhos, ou as mãos, ou o queixo erguido. De facto, creio que é até mais fácil penetrar (potencialmente) na alma do outro se reparar com força no sorriso (se é límpido, se os lábios tremem, se é feliz), do que nos olhos, porque um olhar consegue ser muito enigmático, muito cerrado e muito enevoado. A percepção dos dois em conjunto (teria muito potencial) seria o ideal.

Allr: Ou então perante mãos que são dádivas, braços que são conforto e pernas que são companheiras caminhantes.
Ah e hoje lembrei-me (por ver uma revista num quiosque) que o Arnaldo Jabor tem razão; a Juliana Paes tem um rabiosque que entristece… a mim pelo menos, deixa-me com lágrimas nos olhos!

Naoseiquenome usar: A voz é de facto muito importante. Se for distinta, se não se parecer com a de ninguém, se soar radiofónica e bela, é meio caminho andado para ficarmos presos nas palavras… O nosso registo é contínuo; as perguntas do inquérito mental é que se vão modificando, ganhando rigor e ficando cada vez mais exigentes… Mas isso são outras histórias; tal como prometi à Cereja e à Rafaela… dissertarei sobre isso, mais tarde.


N: Depois de nos ler eu mesma me interrogo em que mais repararei eu, e coisa ainda mais estranha, descubro que pouco me concentro nos olhos. Não consigo dexar de olhar os lábios do outro enquanto fala. E de vez em quando espreito os olhos, para ver o que olha o outro, mas volto sempre aos lábios e ao que lá houver (o sorriso, a ironia, o sarcasmo, a alegria, a hipocrisia)...

12:25 da manhã  
Blogger BR said...

Luciana:

Acho que não seria bom saber como nos veêm os outros: 1. Poucas vezes ou nenhumas nos veríamos como as "deusas maravilhosas" que pensamos ser...; 2. Tantas vezes não nos veríamos como os diabinhos de faíscas nos olhos em que por vezes nos transformamos.

Iamos somente observarmo-nos como uma argamassa mal constituida de opiniões discrepantes. E num período de breves segundos estariamos por terra ou voando pelo céu.

Os olhos dos outros nem sempre nos vêem como somos, mas como prolongamentos desses outros. Só que a curiosidade (quase) mata...

Um beijinho,
BR

1:46 da manhã  

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